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O pensamento filosófico do judoca
- Quem tem medo de perder já está vencido
- Somente se aproxima da perfeição quem a procura com constância, sabedoria e, sobretudo, humildade
- Quando verificar com tristeza que não sabe nada, terá feito o primeiro progresso no aprendizado
- Nunca se orgulhe de haver vencido um adversário; aquele quem você venceu hoje poderá te derrotar amanhã. A única vitória que perdura é aquela que se conquista sobre a própria ignorância
- O verdadeiro judoca não se aperfeiçoa para lutar, luta para se aperfeiçoar
- Conhecer-se é dominar-se, dominar-se é triunfar
- O judoca é o que possui inteligência para compreender aquilo que lhe ensinam e paciência para ensinar o que aprendeu aos seus semelhantes
- Saber cada dia um pouco mais e usá-lo todos os dias para o bem, esse é o caminho dos verdadeiros judocas
- Quando o adversário parecer como uma montanha, avance com a força de um oceano
“Para ser um bom lutador, antes de tudo, é preciso ser um grande ser humano”. Com essa filosofia, o judô tem ajudado milhares de pessoas em todo o mundo a superarem limites, sejam eles físicos ou mentais.
Judô, ou “caminho suave” em nihongo, é uma das artes marciais mais famosas entre os brasileiros. A forte influência da colonização japonesa ajudou, e muito, para propagar esse estilo de vida. Dizem que os primeiros praticantes brasileiros, no começo do século XX, impressionavam todos os demais lutadores com a facilidade com que venciam oponentes maiores que eles. Mas não pense que o judô se limita a um esporte.
Quem mora na região de Shizuoka pode aproveitar a visita de um grande mestre da arte e aprender com seus ensinamentos. O sensei Massao Shinohara, 9º dan, irá realizar um encontro sábado, 14 de outubro, com fãs e interessados na Associação Barbosa de Judô. Shinohara é uma lenda viva do esporte. Para se ter uma idéia, das dez medalhas que o judô brasileiro conquistou em Olimpíadas, quatro foram de judocas treinados por ele. Passaram pelo seu dojo em São Paulo: Aurélio Miguel (ouro em Seul-1988 e bronze em Atlanta-1996), Luís Onmura (bronze em Los Angeles-1984) e Carlos Honorato (prata em Sidney-2000).
A arte no serviço
Ao contrário dos ídolos judocas dos torneios do Pride, como Hidehiko Yoshida (ouro nas Olimpiadas de Barcelona em 1992) ou o brasileiro Paulão Filho, aplicar o judô no serviço não significa mandar um ippon (nocaute) no chefe mal-humorado ou um nagewaza (arremesso) naquele colega de fábrica que implica com você. Até porque a prática da arte é regida pela cortesia, respeito e amabilidade. Nada de violência.
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Fundamentos
Existem três pontos principais dentro dos ensinamentos desse esporte e estilo de vida que você pode tornar o seu dia-a-dia mais proveitoso. A primeira é o “seiryoku-zenyou”, ou seja, como ter o máximo de eficiência gastando o mínimo de energia para realizar um serviço. O segundo fundamento é o “jita kyoei”, que une o bem-estar próprio em favor do benefício e prosperidade de todos. Por último, existe o “ju”, ou suavidade, que mostra que, para superarmos todas as dificuldades, não precisamos usar da mesma estupidez com que acabam nos tratando.
Quando você sente que o dia não rendeu, apesar de estar morrendo de cansaço, pense bem, ou melhor, repense bem como suas energias são utilizadas e verifique se houve desperdício.
Será que não há um excesso de esforço para realizar uma tarefa que, no final das contas, podia ser feita de forma mais simples e sem precisar ter estresse? Será que estar bem consigo é simplesmente pensar em como se beneficiar? Quando acontece um embate direto com o chefe, a melhor solução é contra-atacar usando a mesma moeda?
Os princípios do judô dizem que não é assim. Ao invés de prestar atenção em picuinhas que acontecem durante o serviço, o melhor é voltar-se para a tarefa e fazer bem-feito. No mínimo, os outros não vão poder reclamar do seu desempenho depois.
Quanto à solidariedade, a filosofia oriental pode ser explicada como um atleta profissional. Ele pode ser o mais rápido, o mais forte, o mais ágil. Mas se não pensa no bem alheio, não será um ser humano completo. Falta exercitar o espírito. Afinal, por trás da máquina de vitórias e títulos bate um coração.
Corpo são, mente sã
Quando o judô foi criado em 1882 por um jovem franzino de 23 anos chamado Jigoro Kano, ele foi projetado para diversos aspectos da vida cotidiana, muito além da batalha. Além do espírito, o corpo deve ser aprimorado. A pessoa deve se preocupar, sim, em ter uma alimentação saudável, vestir-se com roupas limpas e bem-cuidadas, praticar exercícios e até mesmo deixar a casa em ordem. Enfim, tudo o que precisa ser feito para o autoaprimoramento. Quem segue esses preceitos sente os efeitos na hora de conseguir ou não uma vaga disputada de emprego. O chefe não hesitará ao se ver diante de si um candidato asseado e organizado, e um outro desleixado que não sabe sequer cuidar de si, quanto mais de uma produção de fábrica com prazos e metas rígidos.
Na hora de decidir qual é o melhor modo de enfrentar alguém, reflita: é bem melhor deixar que o oponente utilize a força dele para ele mesmo se derrotar do que degladiar inutilmente e colocar em risco a integridade física e também o emprego.
Mestre Massao Shinohara
Cláudio EndoMestre Massao Shinohara “Meu espírito fica ligado com os dos atletas”O mestre de judô Massao Shinohara, 80 anos, é pai do técnico da seleção brasileira de judô, Luiz Shinohara, e treinou campeões como Aurélio Miguel, Carlos Honorato e Luiz Onmura. Para o mestre, que atingiu o 9º dan, as vitórias são conseqüência de empenho, disciplina e treinos sérios e fortes. O sensei estará no Japão para se encontrar com os amantes da modalidade. Ele concedeu entrevista exclusiva ao jornalista Claudio Endo.
Gambare! O judô pode ajudar o dekassegui?
Shinohara Os praticantes de judô, antes de tudo, devem pensar em vencer na vida. Dentre milhares de atletas, apenas um se tornará campeão, por isso cada pessoa deve estar preparada para enfrentar as adversidades na vida.
Gambare! Como a filosofia do judô ajuda no dia-a-dia?
Shinohara Os praticantes de judô passam a ter respeito, se tornam obedientes e honestos. Se não tiver espírito de força, não consegue chegar até os objetivos. No judô, é preciso praticar muito e ao mesmo tempo pensar e estudar os desafios. Meu sistema é assim: se perder uma luta, o atleta deve colocar na cabeça que não vai perder mais. Essa é a importância do esporte e serve como uma filosofia de vida. O judô deve criar esse espírito dentro de cada coração para deixá-lo mais forte.
Gambare! O judô ensinou o senhor a viver melhor?
Shinohara Através do espírito do judô, consegui trabalhar arduamente e treinar ao mesmo tempo. As pessoas me diziam que eu deveria parar de praticar senão eu iria morrer porque não tinha tempo para descansar, mas o judô é a minha vida. Só vou me distanciar dele quando morrer.
Gambare! Como se forma um campeão?
Shinohara Ao ver uma pessoa, dá para sentir se tem capacidade pelo jeito de treinar. Meu filho, por exemplo, se esforçou muito. Ele corria dez quilômetros antes dos treinos e fazia exercícios. Ele chegou a perder cinco quilos em quatro horas de treino.
Gambare! Realizado?
Shinohara Sinto-me muito orgulhoso e emocionado até hoje. Quando o Aurélio Miguel estava participando da final do Mundial em 1997, eu assistia à luta com o pai dele, pela TV. Eu gritava “aplica aquele golpe” e realmente ele aplicava, como se estivesse escutado o que eu disse. Acredito que meu espírito fica ligado com os dos atletas.

Reportagem: Marcos Yamamoto
Entrevista: Claudio Endo